Por me aborrecer de minha nega,
decido-me: troco-a por um cão.
(Entre um currupaco e um vago olhar,
o papagaio bica o terno de clorofila.)
Poderia trocá-la breve pelo verde gaio
e sonhar nas florestas de ínvios caminhos.
Contudo, entre um currupaco e um olhar
vesgo, o gaio descasca o pedestal.
Ao cão reservarei uma bela ossada,
afagos, mil afagos, ungüentos pulicidas.
Ao jantar, irei tê-lo,cálido, aos pés,
e no bolso, íntegra e massuda, a carteira.
Ele me oferecerá a pata úmida, delicada
e sedosa – um universo de pelos;
sensato, distinguirá meu cheiro amigo,
entre mil outros,na espessa multidão.
E, à força de mentar, bem rápido dou
ao cão onírico um supremo corpo,
que, ao soltar-se do sono, abre os olhos,
cheira-me e arreganha a dentuça.
Arrepio caminho até minha nega, que o
chama, mima-o e o beija,triunfante.
[Publicado no Folhetim de 18 de março de 1984. Ilustr. de Deborah Paiva]
Luiz Roberto Benatti