Sérgio Roxo da Fonseca
O dia 10 de setembro é dedicado à prevenção e ao estudo do suicídio. Tenho um velho amigo, médico e professor da USP, que dedicou muito de seus estudos ao exame da questão. Foi professor de oftalmologia e grande conhecedor de filosofia. Refiro-me ao doutor Laudo Silva Costa.
Lembrávamos-nos das aulas de nossa formação que o infinito do verbo nascer em Roma era “oriri”. Os tempos primitivos eram: “orior, eris, ortus sum, oriri”. Dele resultou em Português o vocábulo “oriental”, ou seja, o local do nascimento.
O verbo morrer, naqueles velhos tempos, era “occidere”, verbo que serviu de base para o vocábulo português “ocidental”, ou seja, o local onde se morre. Acreditava-se falsamente que o sol circulava em torno da Terra. Assim, o sol nascia no Oriente e morria no Ocidente.
A história das palavras, com certeza o mais antigo monumento da humanidade, demonstra que aqueles verbos latinos foram mais longe. Matar um homem, tornou-se homicídio, ou seja, “homo” mais “occidere”. Do mesmo processo sugiram, dentre outras palavras, “infanticídio”, “uxoricídio” e “suicídio”, que significam respectivamente matar um infante, matar a esposa e matar-se.
O vocábulo “suicídio” transportou para o Português uma dificuldade. Como se percebe, deriva de “sui” mais “occidere”, que poderia substituir o verbo “matar-se”. No entanto, multiplicou-se por dois o pronome, pois usamos “suicidar-se” que poderia ser compreendido como matar-se a si mesmo. Talvez ninguém se mate, mas, sim, mata-se incontestavelmente a si mesmo, de tão grande e extenso é o ato. Não se esgota na fórmula mais simples, como se vê, exigindo um aparente exagero linguístico.
O professor Laudo Silva Costa sustentava que o suicídio era uma doença e como tal merecia ser estudado e tratado pela ciência médica. Registrava um sintoma: quase sempre o futuro suicida revela que vai se matar. Portanto, dizia o grande mestre, se alguém afirma que vai se matar, é da mais alta importância que receba a nossa mais viva atenção, merecendo ser imediatamente encaminhado para tratamento médico.
Vários casos de suicidas passaram ao meu exame. Em todos eles, sem exceção, as pessoas mais íntimas revelavam que o suicida, digamos assim, oferecia o aviso prévio de sua morte. O que nunca era levado a sério até o seu desfecho final.
Borges examinou a questão pelos textos bíblicos. Registrou que Sansão, derrubando o palácio com a sua força descomunal, gritava “morro eu e os nossos inimigos”. E mais, ninguém poderia matar Jesus, dada a impossibilidade de tirar-se a vida de Deus. O universo não poderia sobreviver um único segundo sem Deus. São Mateus, no seu espantoso Evangelho, ao narrar a morte de Cristo, deixou escrito: “Ele se deu à morte”.