Luiz Roberto Benatti
para Marilda Carvalho
Milonga da mentira
só minto quando falo a verdade
ando pra cima ao cair para baixo
habito a ponte de sonhos
com gatos e corujas da herdade
se me vêem na puberdade
estarei sem dentes na caducidade
embrulho com trapos a amizade
camuflo o punhal da atrocidade
incorruptibilidade?
a palavra é tão longa, que eu tropeço
logo na loquacidade
& reaprendo a gíria da imbecilidade
Milonga dos enamorados
numa milonga de fato
o corpo nunca está embolorado
ele sabe quando lançar-se
de modo aerotransportado
numa milonga de fato
não fique acabrunhado
ao suor segue-se o suor
não se sinta bimarginado
numa milonga de fato
a parceira rompe o cadeado
todavia o peso do músculo
jamais será extremado
numa milonga de fato
não se sinta tigre enjaulado
no peito leve uma rosa
a flor dos condecorados
Milonga do hospício de Charenton
por que não pode o louco ser louco
se o mundo não é são tampouco?
cada navio tem o próprio balouço
às tábuas que rangem você faz ouvido mouco
Já sei! Você tem o remédio para o doido:
manter Napoleão recluso em Elba
como? se ninguém sabe se foi aguerrido
ou se vestia dólmã de ouro cerzido
Milonga da desencontrada paixão
sangra a paixão ao entardecer
desconexão com o vento bravio
repuxão de nuvem cinzenta
quem não queria agora pensou em morrer
derrete-se a paixão ao meio-dia
intromissão da areia podre
olhar medíocre e acre
o tronco tomado pela acídia
a paixão não sangra ao amanhecer
a abelha busca a rara flor da paixão
as maitacas papeiam até a rouquidão
os moribundos reaprendem a viver