Luiz Roberto Benatti.

A cabra
abracadabra
não há cãibra
que me enclausure na montanha
flor abscôndida
que a pedra cubra
cacto na penumbra
dois goles de água salobra
sem listras de zebra
na contramanobra
bebo o que sobra
sorvo a sombra da vértebra
e aspiro o vento na álgebra

A mosca
a mosca pousa no mel
e na aba do chapéu
no molho
e no repolho
na pia
e no nariz sardento da tia
na mão
e no dorso do mamão
na escada
e na planta da sacada
a mosca-camicase
fundo mergulha na garrafa
como se fora paráfrase
onde fica sai, não sai
a mosca ali definha
não era uma girafa

Pedras
não medra
a pedra
na cátedra
mas lá onde se canta a pedra
talvez um doido de pedra
ou quem fume pedra
a sós na selva de pedra
até não restar pedra sobre pedra
se for cabeça de pedra
pego pelo gambé
sem direito a banho de guiné
vai logo quebrar pedra
pedra lascada
não pedra preciosa
menos que pedra sabão
igual a pedra de fogo
até o dia do rogo

Camelo
dobrado no tornozelo
ofereço água
ao camelo
ele me pede gelo
digo-lhe então sem medo
“pode ser caramelo
cogumelo ou marmelo?”
vou bater-lhe com chinelo
respondeu-me o dromedário
que rápido enfiou-se
num grande armário
de dentro, berrou nervoso
ao mascar prego com osso
“tenho duas corcovas
por isso dromedário não sou
seu Mané- otário!”

Cavalo
Se existe nunca vi
cavalo acéfalo
nem bicéfalo
o meu é forte
como um búfalo
não tem calo
acorda antes do galo
não se mete em escândalo
nem trota no labirinto de Dédalo
cavalga no asfalto
não desliza como robalo
de ninguém é vassalo
meu cavalo de giz
sabe onde tinha ou tem o nariz

Paspalho ou espantalho?
sol ou vento
coração de lata
sem omoplata
não tive império
não cometi adultério
trovão e orvalho
o cabelo grisalho
é casca de alho
a camisa e a calça
cosidos retalhos
dê-me o guarda-chuva
ou tire de mim o pavão
com quem me equivalho?
com Augusto dos Anjos
berrem ao escrivão
de banjo à mão
& sábio no magistério
rápido nos leve
ao necrotério
sentir no ar o mistério
sem impropério

Cavalo II
não há quem o prenda
nem por encomenda
no Labirinto de Dédalo
empina-se sem escândalo
crina ao vento num estalo
nem vândalo nem vassalo
& sonha com o mar
no intervalo

Sapo
quem beija o sapo
ainda que à moça pareça guapo
ou engole sapo?
querem apenas atirar sal no sapo
longe da mesa e do guardanapo
falar mal do sapo?
mesmo de pedra, não quero papo

O mundo de cada um
o gato lê no rato
o olho do impostor
o coelho lê no capim
a fome incolor
estão na mesma sala
da sra. mestra Coala
o beabá do branco coelho
é como o do gato preto
as horas passam e nada
de se ver onça pintada
a paz aqui não ouve
estampido de granada
assim, amanhã eles voltam
para o giz com a tabuada
1 + 1 são sempre três
até para cão escocês
1 x 3 são três
até para o corvo inglês
o gato só quer almofadas
de alecrim perfumadas
de coração disparado
o coelho só caça no banhado
assim como vão as coisas
o gato será herbívoro
assim como vão as coisas
o coelho será carnívoro
seja pedro, josé ou paulo
abra-se bem ao diálogo
um dia a mestra acordou
com a avó atrás do toco
quis pôr fogo no mundo
como faria qualquer louco
o que ela então propôs?
Falar de aflição ou guerra
e os amigos o que fizeram?
Foram-se para outra terra
E o poema? inquiriu o grou
linha final – acabou

Girafa
quem esticou o pescoço da girafa?
o Rafa
escondido numa garrafa
atirou-lhe a tarrafa
a mãe que tudo abafa
agora tem estafa
ora bolas! só por que a girafa
era ágrafa?
o bicho decidiu:
vou ser topógrafa
no zôo de Paris
cantarei Sous le ciel de Paris
e todos pedirão bis

Faca
o ser da faca
não é abrir ventres com trapaça
cortar em dois a jararaca
promover no boteco
arruaça
o ser da faca
é vedar-se a ameaça
cosida no forro da casaca
ou mostrar-se
como o tigre de Blake, fatiado
a destreza da faca
é cortar a cebola
bola parabólica
sem sangue & fora do ringue

Espelho
se não me vejo
por falta de espelho
onde meterei o bedelho?
cavo funda toca
de coelho
enfureço-me
infiel escaravelho
tropeço no joelho
tombo de bruço
o rosto vermelho:
quero meu espelho!