
Sérgio Roxo da Fonseca.
O homem pensa por meio de sinais. Algumas vezes por sinais cinematográficos, quando sonha. Pensa quase sempre pelas palavras. E comunica-se por intermédio delas. Usar palavras foi um passo importantíssimo para o desenvolvimento da sociedade. Degrau muito mais difícil foi transformar a palavra pensada e falada em palavra escrita, o que contribuiu decisivamente para documentar melhor as alegrias e os sofrimentos.
Depois de lidar com a linguagem das palavras, o homem avançou para revelar a sintaxe da música e da dança, por exemplo. Se conheço essas linguagens posso distinguir uma guarânia de uma fuga de Bach. Quando não, não. Se o médico não conseguir decifrar os sons emitidos pelo seu paciente, muitas vezes, não consegue entender o que se passa no interior do seu corpo. São sempre sinais a atingir um plano de conhecimento.
Quanto à pintura outro não foi e não é o caminho percorrido e a ser percorrido, desde que Deus é Deus, como diria minha avó mineira.
No passado, os pintores quase sempre contentavam-se em reproduzir o que viam como se estivessem fotografando. Quase sempre. Quase sempre porque alguns invadiram as sendas do mistério, transformando o quase sorriso da Mona Lisa numa obra de gênio. Como perpetuar o rosto de mulher que se apresenta antes ou após um quase sorriso? Como classificar o momento que antecede um sorriso feminino que se eterniza na memória do espectador? Ou se trata de uma procedência, ao contrário?
Nos nossos tempos, uma fortíssima corrente de pintores abandonou a forma para recriar um mundo de complicada linguagem. Há pintores que transmitem aquilo que eles-mesmos rotulam como sua abstração. A escola abstracionista. E se não for o abstrato não se concretiza na tela do artista? E se a abstração, para mim, for uma concreção?
O mundo abriu-se para a contemplação e exame das obras de Kandinsky e de Miró. O primeiro russo e o segundo espanhol. Vale a pena ver de novo.
Miró atraiu a admiração do mundo ao produzir quadros nos quais, quase sempre, encontramos garatujas infantis. Será que a pintura de Miró andou para trás, abandonando os limites do quase sorriso para gravar a dificuldade linguística da criança ao desenhar sua casa, seu pai, sua mãe e seus irmãos? É difícil encontrar resposta. Um reconhecido professor austríaco abandonou Cambridge e passou a dedicar-se às escolas primárias, afirmando que as crianças faziam perguntas muito mais difíceis de responder do que aquelas formuladas pelos seus alunos universitários. Refiro-me ao filósofo Wittgenstein.
Kandinsky, por outras veredas, mergulhou no abstracionismo, tentando transformar desenhos e cores em sinais de sons. Apreciando um quadro do Kandinsky posso extrair o nome da música que o inspirou? Somente ele compreende a sua linguagem? Somente os entendidos podem ler nos seus quadros o que neles está escondido?
A linguagem, assim entendida todas as sintaxes de comunicação, é tão difícil de ser compreendida como difícil de ser compreendida a alma do homem que lança seus sinais no vazio de um tempo histórico, tempo cheio de mistérios.