
Luiz Roberto Benatti
Sem passaporte, Leon Trótski, de mala e cuia, deslocou-se muitas vezes pela Europa, até que os selos de viagem não deixaram lugar para mais nada, se não Nova York, onde por dois meses e meio ele ocupou um apartamento no número 1522 da Wyse avenue, no Bronx. À beira da indigência, ele passou a escrever para jornais russos de combate como Novy mir e Pravda. Da janela de sua sala de trabalho, ele anotou: “… Vi, numa ocasião, da janela de minha sala do jornal, um velho de olhos sonolentos e barba cinza cerrada diante duma lata de lixo em que havia peixe e um pedaço de pão. Ele rasgou a casca com as mãos e mordeu o troço petrificado com os dentes e, por fim, vasculhou várias vezes a lata. Mas o pão continuou lá. Finalmente, ele olhou para ele como se estivesse receoso ou envergonhado, enfiou o achado no casaco desbotado e caminhou até São Marcos.O breve episódio ocorreu em 2 de março de 1917. Mas não interferiu de forma alguma com os planos da classe dominante. A guerra era inevitável, e os pacifistas tinham de apoiá-la “.Que não venha o filósofo do charuto chamejante dizer que o russo embromava os trouxas com seu pieguismo marxista, porque, noutra passagem, Leon elogiou os States e, em particular, NY como moderno centro de Artes. A fome existe e, no Inverno, o estômago vazio ronca mais alto.Pondé nasceu no Recife, em 1959, 51 anos depois de Josué de Castro, autor de Geografia da fome: a fome no Brasil, que eu recomendaria como leitura de fim de semana ao filósofo. Onde entra Manuel Bandeira, pernambucano do Recife nascido em 1886, de família abonada? Bandeira entra com O bicho, publicado no RJ, em 25 de fevereiro de 1947, 30 anos depois do homem-animal de Trótski. Como Pondé não o relê há muito tempo,transcrevi-o acima.Trótski não era pernambucano: nasceu em Ianovca, na Rússia imperial, em 1879. Como Pondé não se entende com Leon Trótski, poderia ao menos reconciliar-se com seus conterrâneos ilustres.