
Luiz Roberto Benatti
Comprei um chapéu com duas escadas abertas na aba – minúsculas e redobráveis: uma levava à casa de Tristan Tzara, ao lado do Cabaré Voltaire; a outra, ao estúdio de Rothko. Todas as geografias, desde Napoleão Bonaparte, são manipuláveis e às vezes descartáveis. Depois duma mesura nipônica a Rothko e Tzara, convidei ambos para tomar umas biritas no boteco, onde o ar decadente nem de longe lembrava a efervescência poética dos velhos e saudosos tempos. Quando chegou ao quinto chope, Tzara tirou do bolso do paletó de feltro um poema tão longo, que, até às 9 da noite, a leitura não havia terminado. Havia nos olhos de Tzara riso de escárnio que dizia ser essa sua verdadeira intenção. Rothko ficou enfarado, amarrou a cara, arrancou os 30 metros de sulfite com o poema das mãos do poeta, molhou a brocha na tinta e pintou tudo de vermelho. Foi assim que Rothko descobriu o desvio para o vermelho, prefigurado nas estrelas desde que o cosmo é cosmo. Depois disso, Tzara pegou a vara de pesca e foi para a Sardenha, onde morreu de gripe espanhola.