Luiz Roberto Benatti & Elko Perissionotti
Sade Adu é linda e com voz capaz de “decapitar corações”! Como é amicíssima do Dr. Lois Alzheimer, avisa-nos que, confusos e desorientados em seara alheia, navegamos na contramão e já estamos prestes a abalroar o fulgurante farol da Normandia, cemitério dos bravos marines. As guerras são grandes e cinematográficas ocasiões para a criteriosa observação do sadomasoquismo, por isso são desejáveis tanto no que diz respeito à venda de armas quanto para garantir o sanduíche com limonada dos psicanalistas ou psiquiatras.
Depois de passar os argutos olhos pela resenha do jornal italiano La Stampa sobre o filme de Steven Soderbergh, Terapia de Risco, o marquês logo deu-se conta de que poderia se safar da perseguição dos reis e da sogra, se saísse em busca dos modernos tratamentos.A coisa mais atraente nos modernos tratamentos é que eles são modernos, num mundo em que ninguém quer ser tido como ultrapassado. Pensou também nas farras e surubas em novas fronteiras. Chegou até a convidar Kant, mas o furioso Lacan não permitiu que lhe roubassem o espelho e muito menos a razão. Mandou chamar Justine, a virtuosa loira burra — mas havia pensado em Juliette, a puta –, e seu namoradinho para uma viagem de dois meses a Londres onde iriam encontrar-se com Sigmund Freud e seu divã de conspurcadas memórias para tratar dos achaques histéricos. A angelical Justine talvez encantasse/fisgasse o famoso alienista que já havia analisado Machado de Assis,ao curá-lo na casa do Cosme Velho de epilepsia histérica com Gardenal. Sade, o marquês, grande especialista em hospício e dentifrício, sabia muito bem o que fazia e esperava aprontar umas e outras com o doutor que havia acabado de levar porradas públicas de seu ex-pofessor, Dr. Meynert, por insistir na maluca idéia de histeria masculina. Até que poderia ter dado certo a maquiavélica estratégia sadeana. Todavia, imprevisíveis ou então mais previsíveis do que aparentavam ser, o trio libertino ateou fogo às vestes do cardeal que se queimou com a camisinha ainda pendurada no órgão — o avesso da Santa Inquisição. E chicotearam o pobre e servil cocheiro até a morte. O cocheiro havia se encantado e se engraçado com as belas coxas da moça, e a moça, mesmo esmagada pelo super-eu, deliciava-se com a vista do corpo nu do cocheiro. Justine, hesitante diante do chamado da carne, acabou por agarrá-lo na dobra de um longo corredor escuro do convento das carmelitas, e o cocheiro aprendiz de encoxador estremeceu da cabeça aos pés, ensaiou arfante algumas manobras aprendidas com o marquês, e Justine, a loira virtuosa, como toda boa histérica, recuou e prometeu vingança para o dia seguinte, pois naquele instante já se encontrava em cima da hora para o início da missa. O cocheiro não era um cretino absoluto; leitor de D.H. Lawrence diplomara-se em sacanagens na leitura de O amante de Lady Chatterley.Foi assim que no divã do Dr. Freud — em êxtase diante de suas constatações — depois de sangrar os costados do desgraçado, abriram-lhe as feridas com sal da Sardenha e chuparam-lhe o sangue. O rapaz-namorado quis aplicar-lhe pimenta mexicana, todavia não localizou o pote presenteado por Octavio Paz no ano anterior. O marquês ficou ensandecido porque a usava para apimentar suas orgias, além de ser admirador do Nobel mexicano amigo de Simone de Beauvoir no Facebook. Final da história: tudo em vão, tudo em vão, como diria Both, assassino de Lincoln. Justine morreu estuprada pelos deuses do Olimpo. O marquês morreu no hospício, mas com duas mulheres. E Louis Sade botou fogo nos livros do Pai.Aliás, botar fogo nos livros é uma boa, como costumam dizer os moços ágrafos do Brasil contemporâneo.
[Nota dos Autores: Nada mais parecido com a realidade do que a ficção, já que Aristóteles atirou pela amurada do Titanic o tratado de Lógica. Todavia, adiantamos-lhes que de nenhum modo nossa narrativa deverá ser classificada como anarcossindicalista.]
Nada mais louco que a liberdade do conto dos autores, amigos de longa data, ao encerrá-lo com a pimenta mexicana e o macabro fim de Both, Simone, Justine e a inaceitável queima de livros e a defesa de Lacan a seu espelho e razão – pode-se roubar de outrem a razão? Viva a liberdade de pensamento e da composição intelectual.
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Caríssimo Álfio, com todo o respeito por sua cultura científica, no caso da Política, entendemos, eu e o Elko, que a Verdade ou a Mentira só poderão ser vista pela ótica da surrealidade.
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