Eliane Fittipaldi
Na cornucópia guardo pedras,
Tocos, lascas, paus e restos
palavras com mais de seis pernas,
quinhentos bichos-lanternas
uns poucos elfos inquietos
e recrutas de casernas.
Seres, doces, objetos,
abelhas, remos, ovelhas,
um labrador e um sabujo,
uma boa pilha de telhas
que abriga uma pobre lesma
(viúva de caramujo).
Nela tranco meus tesouros:
um fino rabo de arraia,
uma moeda de ouro.
Uma folhinha de louro,
uma boneca de saia,
um pedaço de cambraia,
junto a um realejo sujo.
Percevejo, pulga, lacraia,
Um vaso de samambaia,
espinafre de marujo.
Nessa concha obsoleta,
ponho papel e paleta,
coisas que ninguém tem:
uma nau catarineta,
uma cria de cometa,
um cinzel e uma lambreta,
um piratinha maneta
e um Pinduca ainda neném.
Mantenho lá, bem fechados,
a grande morsa sueca,
papai noel de cuecas,
coquinhos de Itanhaém.
Na cornucópia há duendes
gritantes, esperneantes.
Faunos com flechas beijam
donzelas de seios grandes.
Lá, velocinos gigantes
escoiceiam brutalmente
sete anões inteligentes
que os montam, os esporeiam
e os amarram com correntes.
Dentro da concha mágica,
reizinhos de barba pontuda
com sua bata barriguda,
penduram-se em tranças escadas,
escondem-se nas mansardas
e morrem de morte trágica.
Tartarugas com espadas
cutucam fadas aladas,
cortam cabeças de gárgulas,
torturam magas malvadas.
Do pavilhão se desprendem
fragmentos de orações
discursos mais-que-proféticos,
repletos de conjunções,
textos além de exotéricos,
vozes cheias de razões.
Nessa minha cornucópia,
ratos orquestram vassouras,
coelhos não querem cenouras,
crianças não comem feijão.
As sereias não são louras,
as avós são todas loucas
restrições são muito poucas
e os ovos não caem no chão.
No crisol da cornucópia,
Tudo é plena substância:
O devaneio, a lembrança,
a imagem, a experiência.
Toda a poesia do mundo
deposita-se no fundo,
em cegante radiância.
Todas as coisas da infância
lá se enredam, se misturam,
se fundem e se depuram
em alquímica solvência.
Vida pura.
Reticência…