Diego Tiscar
Alguém voltado quase que exclusivamente aos autores, que posteriormente tiveram seus nomes para a criação de escolas pode estar se perguntando o que são essas duas nomeações.
Luto primordial e cerco das coisas são dois conceitos clínicos, desenvolvidos por Fabio Herrmann, no decorrer de sua obra.
Conceitos são teorias generalizadas, comumente encontradas em todo ser humano que habita e habitou a Terra. Simplificando, são pilares fundantes do homem. Por exemplo, o Complexo de Édipo, universalmente dividido.
Conceitos são organizadores do pensamento, paradigmas se você preferir uma linguagem mais científica. Uma base já existente de onde consigo partir.
Toda relação é um substituto de uma falta nostálgica de um estado de autobastância, a rigor nunca desfrutado.
Luto advém do luto de Freud, um esvaziamento do Eu provocado pela perda do objeto. Mas de qual objeto eles estão falando? No caso é uma situação.
Primordial vem dos primórdios da existência, uma época em que o Eu não existia.
Esse objeto perdido não é um objeto, uma vez que a relação objetal não existia por não fazer sentido ao indivíduo. Estamos no Cerco das Coisas.
O cerco das coisas é um momento estreito da vida onde havia fisiologia, sem representação. O sistema econômico fisiológico funciona no par: dor e não dor, assim o frio é sentido como dor, o calor materno é sentido como não dor. O mesmo se aplica à fome, luminosidade ou qualquer percepção fisiológica.
Em poucos segundos após o nascimento aquele pequeno ser fisiológico passa a ser representado por quem cuida. É- lhe dado um nome e são nomeados movimentos corporais e pessoas: a criança mexe a boca para um outro ser, logo lhe é dito “Joãozinho está se rindo para o vovô”.
O Cerco das Coisas começa a se romper, onde havia fisiologia surge afeto: Sujeito, objeto, adjetivo e substantivo. No exemplo acima, o do sorriso, um movimento muscular ganha um nome e uma função. Gradativamente surgem funções diferentes para a mesma movimentação muscular. Nascem sorrisos.
O que era dor vira frio, fome, solidão, tristeza e outras coisas estranhas à fisiologia que passam a ganhar o nome, por exemplo um coração partido.
A partir do momento que Joãozinho passa a existir não há mais o cerco das coisas, o nascimento do Eu obrigatoriamente traz a relação de objeto: a diferença entre Eu e relação de objeto é unicamente didata, é impossível pensar em uma sem a outra.
A autobastância é a vida natural, à qual tentamos sempre voltar, na maioria das vezes sem perceber, sinalizado por uma insatisfação, um vazio, que pode ser representado por muitos nomes ou a ausência de um nome: “sinto uma coisa, aqui”.
Agora que definimos os conceitos de Luto Primordial e Cerco das Coisas podemos dar um passo à frente nessa busca pelo que não sei o que é que nos move.
O grande escritor inglês Oscar Wilde nos mostra toda a sua genialidade ao perceber a falta básica e constituinte humana com sua frase encontrada no livro O Leque de Lady Windermere: “Neste mundo, há duas grandes tragédias: uma a de não satisfazermos os nossos desejos, e a outra de satisfazermos”.
Mas porque somos movidos pelo Luto Primordial e porque estamos sempre atrás desse: “não sei o que é, que se perdeu na fisiologia”? Voltemos a Freud, mais especificamente à sua primeira tópica.
O aparelho mental é econômico, funcionando exclusivamente em quantus e qualitus. O estado fisiológico puro é o mais econômico possível; quanto mais desenvolvido o mundo representacional mais dispendioso será.
A sustentação do Eu e das relações objetais acarreta grande quantidade de energia, as diversas relações impõem diversos campos e diversos Eus, que Fabio Herrmann define como Identidade, no capítulo O Eu no Fígado da Pedra, do livro A Psique e o Eu.
O desejo nada mais é do que uma tentativa de voltar a esse estado fisiológicos sem o saber. Encontramos novamente outra descoberta de Freud: condensação e deslocamento. Como buscar algo que não existe? Associando-o a vivências e buscando em outro lugar.
É dessa busca incessante e vã que nasce toda a beleza e toda a desgraça humana: poemas mais belos e holocaustos são frutos da busca pelo que não houve, em um lugar que não se encontra.