Edvaldo Fabiano dos Santos
Sempre me interessei intensamente pela história, uma vontade angustiante de saber, descobrir e desvendar seus mistérios permeou grande parte de minha existência. Adoro visitar museus, mas, em 2009, tive meu primeiro contato com um museu na cidade de Monte Alto que me chamou atenção para a existência, em grande parte do interior de São Paulo, de fósseis de dinossauros, o que me causou espanto.Pude ali observar que em cidades da região de Catanduva, em todas as direções possíveis, havia exemplares de fósseis expostos naquele museu que me deram a certeza de que aqui na cidade muito provavelmente também encontraria potencial sítio paleontológico.
Pesquisei a respeito, inclusive pude perceber que nem era novidade em Catanduva isso, pois o saudoso prof. Paschoal R. Turatto já havia há muito encontrado material fóssil, porém sua coleção teve um fim triste e obscuro após sua morte.
Em 2010, ao caminhar à beira da pista da rodovia Pedro Monteleone, observei que as obras de duplicação em curso causaram grande acúmulo de pedras de arenito à beira da pista.Percebi que ali estaria minha chance de pesquisar.
Fui, meio acanhado, por entre as pedras à procura de algo diferente, quando, para minha surpresa, encontrei, encravado em uma daquelas grandes pedras, o que parecia ser um osso pequeno. Retirei-o e o levei pra casa e, como estava em férias, passei a ir diariamente ao local, procurando e encontrando ossos maiores,e, quando mostrei o achado ao meu cunhado, Laércio Fernando Doro, ele se mostrou interessado propondo-se a empreender buscas comigo.
Em uma dessas buscas, como grande acaso do destino, passou pela rodovia (e parou) um paleontólogo da USP de Ribeirão preto, ao qual mostramos amostras de ossos e coprólitos (fezes fossilizadas). Ele nos disse que realmente eram e que nos mandaria seu superior, que era o vice presidente da Sociedade Paleontológica Brasileira,sr. Max Langer, que compareceu com um de seus alunos de Catanduva, juntamente com o paleontólogo Fabiano Vidoi Iori, de Monte Alto ( a quem devemos tudo o que conhecemos a respeito) que comprovou que alguns daqueles achados eram fósseis de dinossauro e outros animais do Cretáceo superior ou a última época dos dinossauros, que corresponde há mais ou menos 60 ou 90 milhões de anos atrás.
A partir daí, eu e meu cunhado fizemos buscas mais minuciosas, sempre sob a supervisão e participação de nosso amigo paleontólogo Fabiano: infelizmente muito foi perdido na obra, pois não dispúnhamos de meios nem apoio necessário para tal feito, pesquisando sempre às nossas próprias custas com o intuito de salvar parte do passado imemorial de Catanduva que aflorava com as rochas de arenito que se retiravam da parte da rodovia que sobe em direção aos bairros Gabriel Hernandes e Flamingo.
Encontramos na obra, certo dia, uma arqueóloga que fazia estudos de impacto ambiental para posterior continuidade da obra e a alertamos sobre os fósseis, ao que ela nos prometeu mandar um paleontólogo para acompanhar nosso trabalho, pois a legislação só exigia estudo arqueológico, a menos que se encontrassem indícios paleontológicos;de fato. A segunda etapa passou a contar com um paleontólogo as Unesp de Bauru, presença que nos fez interromper nossas pesquisas informais.
De tudo o que encontramos sob o solo feiticeiro, podemos aqui registrar que num passado remoto nosso relevo era totalmente outro, os indícios apontavam para a existência de muita água e posterior desertificação.Talvez um grande rio ou lago, com muita vida aquática ou semiaquática.As rochas de arenito do grupo Bauru, formação Adamantina, reúmen-se em espessa camada sob Catanduva onde aparecem tais fósseis.
Muitos daqueles animais ao morrer eram levados por correntezas, razão por que muitas vezes encontrávamos apenas um osso ou fragmento de um animal, em meio à seixos arredondados nas camadas de deposição estratificadas os quais indicavam a presença de correnteza naquele local.Encontramos bivalves(conchas) fossilizados e muitos pedaços de cascos de testudines(tartarugas), icnofósseis e muitos ossos quebrados antes de se fossilizar, escrementos fossilizados (coprólitos), restos de peixes, alguns crocodilianos, dentre eles o recém -descoberto Pepesuchus Deiseae, que até então só havia sido registrado em Presidente Prudente-SP, de tamanho maior, e dois exemplares de esfagessaurídeos que se chamamSphagesaurus
Montealtensis assemelhados com crocodilos que andavam como cães,fora da água e com as pernas embaixo do corpo, sem rastejar.sendo um adulto em ótimas condições de preservação e um infantil.Esses últimos crocodilianos possibilitaram o entendimento de detalhes a seu respeito que até então eram desconhecidos na ciência, como por exemplo a forma de mastigação.
Encontramos ainda ossos de dinossauros pescoçudos herbívoros, alguns dentes, inclusive um de Abelissauro, temido carnívoro de mais de 3 metros de altura. Além de alguns fósseis ainda em estudo e que possivelmente representarão novidade a respeito.
Após o fim das buscas em Catanduva, fizemos algumas incursões na região de São José do Rio Preto, sempre eu e meu cunhado com nosso mentor paleontólogo e obtivemos êxito em encontrar muitos dentes, duas fíbulas de dinossauros, uma de 80 centímetros muito interessante.
Nossos fósseis foram oferecidos ao prefeito da época, que demonstrou certo interesse mas nada fez para concretizar a doação a que nos propusemos a fazer.Para que nossa história não viesse a ter um fim triste como a dos fósseis do Prof. Turatto, doamos os fósseis de interesse científico ao Museu de Paleontologia de Monte Alto, aos cuidados do prof. Antônio Celso de Arruda que muito nos ensinou a respeito da retirada e preparação de fósseis.Lá alguns estão expostos à visitação.
Finalmente, podemos concluir que nossa região, assim, como toda a maior parte do interior de São Paulo, triângulo mineiro, Mato Grosso, Estados do Sul e até o Paraguai, por onde se estende essa rocha permeável que nos guarda o tão imenso aqüífero Guarani, também esconde tesouros inimagináveis da pré-história, sob nossos pés, aguardando descoberta: é preciso , no Brasil, dar-se o devido valor à paleontologia, pois enquanto em outros países pessoas fazem dos fósseis e museus grandes fontes de turismo, aqui o Estado através do ordenamento jurídico protege apenas no âmbito legal, por legislação que considero inócua,sem se preocupar em pesquisar e recuperar tamanho tesouro, o que dá ensejo à ação dos famigerados traficantes de fósseis.