Luiz Roberto Benatti
Diferentemente dos irmãos corsos, Jorge, o arquiteto, e
Miguel, o médico, não dividiram a dor mas o mesmo
amor por Luciana, tetraplégica.Ao desviar-se, à
noite, de animais, o ônibus em que a modelo
transportava-se despencou numa ribanceira e a moça
entrou em coma. Ao voltar a si, descobriu-se como
entrevada e dependente dos outros nas ações mais
rotineiras.Ainda assim, continuou bonita. Cegos pela
paixão, os gêmeos foram à luta corporal e, mais tarde, à
acusação de assédio contra o médico movida pelo
arquiteto. O ódio é péssimo conselheiro, a paixão puro
sofrimento. Dante Alighieri desenhou na Comédia o
mundo real como se ele fosse produto do imaginário,
todavia estamos cada vez mais próximos do cenário do
grande florentino. Ainda assim, Jorge, depois de
atropelar com palavras pai e mãe, tentou curar-se do
luto provocado pela perda da amada ao atravessar a
noite carioca com uma prostituta, Myrna, embarcado e
emborcado num motel, com o caco cheio de uísque.
A prostituta é uma mãe ou irmã permissiva.Na
manhã seguinte, Myrna conduziu de táxi o bêbado para
a casa dos pais de Jorge, depois de ter ele prometido à
moça casamento e recompensa econômica.Nas novelas
da Globo o mundo pobre imbrica no rico, como se a
passagem pudesse ser feita com muita tranqüilidade
sob a bandeira triunfante do PT. Promessa de bêbado
dura uma noite e, como Nosferatu, esvai-se com os
primeiros raios de sol. Manoel Carlos, o dramaturgo,
extrai da alma feminina mau humor, fúria e maldade,
bebidas fortes e explosivas. Suas mulheres são pérfidas.
Ele as conhece tão bem quanto Benedito Ruy Barbosa
devassa o microuniverso dos machos. Os machos de
Benedito não existem no mundo real: eles procedem das cavernas
míticas. Na concepção de Manoel Carlos, os
homens são descerebrados, todavia os discursos e as
ações femininas são sempre alimentados por vísceras