Luiz Roberto Benatti
A administração pública da cidade é líquida: como a água, ela preenche pequenos ou grandes espaços por onde flui. Fosse apenas isso, ela seria visivelmente sem mistério. Lenda além da lenda relata que tal liquidez vem do golfinho ou do boto cor-de-rosa. Nas raras manhãs frias da cidade, o boto deixa o Rio São Domingos e escala o prédio da administração onde se instala no 5º. andar. A coisa lendária faz com que a administração exista e não exista. De fato, o boto só perde a condição lendária no lusco-fusco: no 5º. andar, não há quem saiba o que significa lusco-fusco ou se se trata de crepúsculo ou opúsculo. Não tem importância. No Norte, um boto capaz de falar com um magote de botos vai-se mudar para cá e fundar o sindicato dos botos líquidos: a mais mínima idéia de planejamento ou progresso será mal vista.