Luiz Roberto Benatti
Quando esteve no RJ, na Primeira guerra mundial, Darius Milhaud referiu-se ao Carnaval como “vento de loucura”. Para Paul Claudel, com quem ele conviveu nesse período, éramos “um paraíso de tristeza”, nossos “poetas eram canarinhos mecânicos” e o Português, “língua que zumbe e assobia”. As duas visões são complementares apesar de opostas: Língua musical e poetas emperrados pela prática parnasiana, de um lado, e o desregramento dos corpos, de outro. Nesse tempo, também esteve no RJ Nijinsky, logo depois aposentado pela esquizofrenia. Claudel, diplomata, tratava da dívida do País resultante dos descompassos da Railroad & co., a ser convertida na compra de café pela França, cujo montante, fabuloso, iria enriquecer ainda mais Paulo Prado, mecenas do modernismo de 22. Foi entre nós que Darius Milhaud descobriu o maxixe que lhe revolveu cérebro e entranhas. Em 1919, ao retornar para a Europa, eles compôs Le boeuf sur le toit/Boi no telhado que, ao combinar-se com samba de gafieira, era de fato o tango brasileiro que Chaplin incorporou a um filme mudo como trilha musical. O balé surrealista não se assentava sobre enredo definido: fazia-se numa sucessão de quadros em que desfilavam um jogador de baralho, anão, lutador de box, mulher vestida de homem, policial decapitado por fã.A malandragem, enfim, como na composição de Chiquinha Gonzaga (1910-1912), “Corta jaca”: Neste mundo de misérias/quem impera/é quem é mais folgazão/é quem sabe cortar jaca/nos requebros/de suprema perfeição/perfeição – que se encaixa com palavras de Donga em “Pelo telefone”: Quem for de bom gosto/mostre-se disposto/não procure encosto/tenha o riso posto/faça alegre o rosto/nada de desgosto. Vida e lição de vida. Quando publicou Le soulier de satan,Claudel uso como epígrafe o provérbio brasileiro “Deus escreve direito por linhas tortas”. É possível que, ao inspirar-se para a composição Boi voador, Chico Buarque quisesse homenagear Milhaud:Quem foi, que foi/que falou no boi voador/manda prender esse boi/seja esse boi o que for. Le boeuf sur le toi virou cabaré parisiense freqüentado pela fina flor européia e mundial.