Luiz Roberto Benatti
De uns tempos para cá, minha mãe só existe por um mês, até o dia de pagamento da aposentadoria. Depois disso, ela cai com cadeira de rodas e tudo o mais num poço cibernético onde é deletada pelo sistema. O sistema insiste em deletar minha mãe apenas porque ela vai completar 100 anos em 2014. Junto com a Primeira guerra mundial. Minha mãe é velha de guerra. O sistema é louco por filas, mas tem pressa, muita pressa. Acima dos 30 você começa a tornar-se incômodo para o sistema, a não ser que compre planos de saúde, casa, automóvel, tome bastante dinheiro emprestado até enforcar-se. O sistema adora devedores: ele engole a sua casa, o terreno de cima, o sonho de construir-se piscina. Minha mãe não sabe o que é deletar, mas reconhece que sente dores no braço. Chama pela irmã que morreu há mais de 20 anos e garante que ela está no quarto ao lado. Minha mãe confunde polenta com molho com fruta-de-conde, mas o sistema acredita que a cada 30 dias fica obrigada a comprovar que ainda está viva.