LRB
Não temos de nos queixar porque sempre fomos Capital, longe da província, perto do coração selvagem.Não tínhamos bonde mas nos tornamos a capital do milho quando, ousados, num mutirão para a salvação nacional, atraímos Jango Goulart para cá e nos instituímos como padeiros da fabricação da broa de milho contra a farinha de trigo encarecida. Jango foi apeado do poder, exilou-se e, do milho, sobrou-nos o sabugo. Fomos a capital dos cafés finos num movimento retrô ou de retorno à lavoura cafeeira dos anos 30s. No Café da esquina, você bebia o melhor café do mundo, muitas vezes superior ao da Colômbia, coisa de deixar os árabes, os criadores da bebida, mergulhados em sua água de batata. Mais tarde, depois da TFP e nos tempos do altar da Pátria no velho Parque das Américas, apelidamo-nos de capital das bandeiras. Elas tremulavam ao vento com a mesma agitação com que deixávamos na canastra nosso amor do ditador x pela curtição do novo plantonista.Paixão descabelada não se discute. Ah! já que não conseguíamos tirar o burro entaliscado no mataburro, viramos a capital das moças bonitas, faceiras, para as quais lançávamos lânguidos olhares na Praça da República. O Borelli pôs abaixo as palmeiras imperiais da praça, o Cine República virou Bradesco, a garaparia do Orestes deixou o caldo de cana esquentar-se, a Casa papel & tinta desencadernou-se. Agora, era vez da capital da água enfeitiçada:bebeu uma vez, não arreda mais pé daqui.Não tome o avião da Real, porque você vai ter de voltar bem rápido. A água engarrafou-se, rotulou-se, virou negócio. Não teríamos mais o direito de ser capital, não fosse a mais recente sacada – viramos a capital do cinema. Viva o imaginário, o sonho de Fellini, as taras de Bergman, deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha!