Luiz Roberto Benatti
P, foi de fato, a criatura mais encantadora que conheci. Eu era tímido, talvez tão tímido quanto ela que enrubescia até mesmo com lufada muito leve de vento no rosto. Sábado, depois do jantar e do banho caprichado, na Praça da República, em frente do cinema, eu me postava do meio- fio para trás, coisa de meio metro ou metro, braço enlaçado no braço da colega, P ia da Rua Maranhão até o Café da esquina, dava meia volta e retornava. Em 6 meses, nossos olhares cruzaram-se uma única vez: eu achei que ela era discretamente vesga do olho esquerdo. Ensaiava durante a semana, três ou quatro frases, todas elas começavam com “Srta. P, boa noite, poderíamos conversar por alguns minutos, na esquina, ao lado do pipoqueiro?”. Minhas frases não se desenvolviam porque o meu imaginário era raso e quase vazio. Especulei: era neta de Paul Klee e mais nada, quer dizer, não soube mais nada de P. O tempo passou, vieram as chuvas, as folhas da sibiruna ressecaram-se na praça, depois foram varridas. P ficou noiva, casou-se logo, tão magra que o vestido branco parecia ter-se sumido. Não recebi convite, não fui à igreja para vê-la à distância. Um ano depois a turberculose fez de P um anjo de coração rubro bordado na cintura. No ano, no Museu Peggy Gugenheim de Veneza, coração disparado, vi um retrato de P pendurado na parece. Voltei nos dias seguintes. P usava o delicado chapéu que lhe dera a madrinha e, nessa ocasião, pareceu-me que o olho vesgo era o direito.