Luiz Roberto Benatti
Como se fosse relojoeiro, Sigmund Freud montou o destino humano como se ele pudesse oscilar entre Eros e Thanatos, o amor e a morte, a vida e a dissolução. Na história de minha família, meus antepassados próximos e remotos foram agentes funerários. Tanto em CTV quanto em Santa Adélia, à moda antiga, da calçada você entrava no pequeno salão de exposição dos caixões, tocheiros e paramentos mortuários. Uma portinhola no fundo conduzia ao interior da casa. A porta de entrada dia e noite permanecia aberta bem como a cortina ou portinhola que levava aos quartos de família, à cozinha e aos demais cômodos íntimos. Havia sempre um ar de madeira e verniz no ar. Nunca mendigo ou ladrão entrou na funerária com o propósito de roubar, ou então passou do salão para o interior da casa com o mesmo propósito. A morte impõe respeito. Aqui em CTV, durante anos, a Odyn brincou de brincar com a morte, o túmulo, a posição horizontal do corpo, como se ao Bem-Amado de Evelyn Waugh aqueles criativos rapazes emprestassem um tom de deboche meio provinciano. Rir-se para exorcizar o medo, como quem assobia no escuro para afastar o perigo das sombras. A respeito do morto, no velório, você e os amigos sobreviventes poderão contar piadas picantes, tomar café requentado para afastar o sono, recordar os tempos prostibulares. Seja como for o sexo é vizinho da morte. Tudo ou quase tudo parecia ter sido inventado para a mulher pelada, menos botá-la ao lado do caixão. Se o caixão for como um barco, o traseiro entrevisto será um convite irrecusável ao passeio rumo ao Hades.